Declaração de Princípios

Lisboa, 19 de Julho de 1974.

 

Correspondendo aos apelos de amplas correntes da opinião pública, ainda politicamente desmobilizadas para as grandes tarefas da construção de um Portugal novo;

Congratulando-se com os espaços de Liberdade, de participação e de responsabilidade cívica que os militares do 25 de Abril vieram oferecer aos portugueses;

Reivindicando a necessidade de se construir, em Portugal, um tipo de sociedade inspirada nos melhores valores democráticos e humanistas da Europa Ocidental e, capaz de corresponder aos verdadeiros anseios de todos e cada um dos portugueses;

Abrindo-se a todos os democratas do centro-esquerda e do centro-direita que se sintam solidários nas tarefas que será necessário levar a cabo para a construção de tal sociedade;

 

É criado o PARTIDO DO CENTRO DEMOCRÁTICO SOCIAL – C.D.S.

 

Ao apresentar-se na cena política, este partido saúda as várias organizações partidárias ou cívicas já lançadas, manifestando-se disposto a um diálogo fecundo com todas elas, e declara-se aberto à desejável colaboração com as que, sinceramente identificadas com o 25 de Abril, se proponham construir para Portugal um futuro de paz, liberdade e democracia social, no âmbito da plataforma centrista.

1 O C.D.S. representa, em primeiro lugar, os portugueses que estão dispostos a lutar pela consagração, em Portugal, do humanismo personalista, sustentando a necessidade imperiosa de se concretizarem, na nossa vida colectiva, as exigências do progresso, em todas as suas formas.

Defendemos o humanismo personalista porque ele é, mais do que qualquer outra ideologia, o melhor caminho através do qual se procura combater a exploração e a opressão do homem pelo homem. Pois estas não são apenas as que resultam da organização económica e social dos meios de produção:

O homem é explorado quando se sente asfixiado pelo aparelho burocrático do Estado;

O homem é oprimido quando, por qualquer modo, lhe é vedada a liberdade interior, ou a abertura ao transcendente espiritual;

O homem é oprimido quando a sua vida privada não decorre com a necessária intimidade;

O homem é explorado, a qualquer nível, quando é sujeito ao exercício tirânico da autoridade ou a imposições abusivas de minorias activistas;

O homem é explorado quando a sua consciência de pessoa é abafada pelas massas ou é objecto de manipulações da sociedade de consumo.

Contra todas as formas de exploração e de opressão, urge lutar, mobilizando as múltiplas conquistas do progresso, com vista a uma nova ética da vida em colectividade.

2 O C.D.S. representa, simultaneamente, todos os portugueses que desejam para o nosso Pais um sistema democrático de vida capaz de conduzir à redução acelerada das desigualdades sociais existentes, a um rápido progresso económico e social e a uma ampla e efectiva participação de cada um nas diferentes manifestações da nossa vida colectiva.

 

2.1 O sistema democrático de vida que nos propomos é o da democracia pluralista em vigor nos países ocidentais, caracterizado pela garantia das liberdades individuais e pela participação de todos na vida política e na gestão dos interesses comunitários a todos os níveis.

Pretendemos a diversidade dos partidos, dos sindicatos e das associações de base: não aceitamos nenhuma espécie de partido único ou qualquer ideologia, da direita ou da esquerda, que a ele, possa levar.

Pretendemos a democracia, o liberalismo político, a tolerância ideológica, o Estado de Direito; recusamos toda a espécie de totalitarismo ou de ditadura, seja do proletariado ou da burguesia, e rejeitamos o desrespeito das minorias ou qualquer forma de discriminação contra os direitos dos cidadãos.

Pretendemos, enfim, uma sociedade livre, humana, responsável. Não aceitamos fazer frente comum com cidadãos que perfilhem concepções burocráticas ou autoritárias da organização social, ou esquemas colectivistas que, por alguma forma, comprometam a liberdade dos trabalhadores e do povo, em geral.

Pretendemos uma sociedade pluralista, e não uma sociedade monolítica ou superplanifícada.

 

2.2 O País monolítico que o 25 de Abril veio revolucionar terá de ser substituído pelo País da participação, da criatividade, da iniciativa e da descentralização.

Para isso lutaremos pela consolidação das liberdades democráticas, como impõe o Programa do Movimento das Forças Armadas; Daremos uma altíssima prioridade à educação, à cultura, à investigação e à formação profissional;

Pugnaremos pela introdução de profundas reformas na Administração Pública e na vida das empresas, que permitam a cada trabalhador, a cada português, participar plenamente em todos os campos da vida colectiva;

Defendemos a racionalização que um planeamento aberto, participado e flexível, pode assegurar.

 

2.3 Só assim se criarão possibilidades de lutar pela dignidade da pessoa humana na concretização do princípio da igualdade efectiva de oportunidades. A redução acelerada das desigualdades sociais não pode ser assegurada senão mediante o respeito por cada indivíduo concreto, por cada um dos portugueses. Não se pode fazer com base no ideal fascista da Nação abstracta, nem com base no ideal marxista da Classe messiânica.

Defendemos que, num País marcado por grandes injustiças, as desigualdades sociais têm de ser vigorosamente combatidas. Por isso propomo-nos lutar pela recuperação intensiva dos atrasos de que sofrem amplas camadas do povo português, designadamente através de uma política de salários e rendimentos mínimos, de uma elevada justiça fiscal e de adequados e eficazes sistemas de segurança social, de saúde, habitação e transportes colectivos.

Preconizamos, em especial, uma particular intensidade de esforços prioritários conducentes à organização de um serviço nacional de saúde, que proporcione cuidados médicos tendencialmente gratuitos a tolda a população que deles careça, sem prejuízo da existência paralela da clínica privada e do exercício livre da medicina.

Para que os pobres deixem de ser pobres defendemos que o Estado intervenha decididamente nos mecanismos de acesso à propriedade e de distribuição da riqueza, procurando, ao mesmo tempo, que esta cresça com um novo dinamismo. E toda a colectividade tem de estar responsabilizada na obtenção deste dinamismo para a economia nacional que urge promover, de modo eficaz, em termos de progresso acelerado.

3 O C.D.S. representa, também, todos os portugueses que defendem uma nova concepção da iniciativa privada, com base no aprofundamento da solidariedade nacional e da fraternidade social.

3.1 A nova concepção da iniciativa privada que pretendemos é a de uma iniciativa alargada a todos os cidadãos. Não aceitamos que o poder de iniciativa possa apenas pertencer ao Estado porque o Estado não é, como entidade, necessariamente melhor, nem mais talentoso, nem mais imaginativo, que a soma dos seus agentes, e estes são portugueses como os restantes.

Não aceitamos que os particulares que já são proprietários ou detentores do capital, designadamente os grandes grupos económicos, monopolizem a capacidade de iniciativa em qualquer sector da vida social.

Não aceitamos que as responsabilidades dos corpos intermédios – no âmbito da família, do ensino privado, da administração pública e da economia – sejam anuladas ou sequer iludidas por falta de estímulo ou de protecção.

Não aceitamos que os trabalhadores, que todos os portugueses não tenham possibilidades de exprimir e exercitar a sua coragem, o seu talento, a sua imaginação, por falta de liberdade real de iniciativa. Pretendemos, sim, uma iniciativa privada responsável e entendida na sua função social, ao serviço de todos e não como privilégio de alguns.

 

3.2 Porque combatemos todas as formas de concentração de poder susceptíveis de introduzir graves desequilíbrios na vida colectiva, pretendemos implantar novas formas de solidariedade nacional.

Defendemos o robustecimento da autoridade do Estado de Direito, e isso exigirá, não só o funcionamento democrático das suas instituições representativas, como a completa reforma da Administração Pública central e local.

Defendemos que a autoridade do Estado se exerça no sentido de evitar a subordinação dos interesses gerais ou colectivos aos interesses particulares ou individuais. A nacionalização dos sectores da economia não sujeitos à lei da concorrência nacional ou internacional, ou o controlo público das situações monopolistas, são consequências imediatas desse princípio. É ainda seu corolário a intervenção do Estado em sectores económicos onde a presença dele, designadamente através de empresas de economia mista, possa exercer um efeito salutar de promoção de iniciativas ou de sujeição a critérios de interesse social.

Daquele princípio decorre também a necessidade de se suprimirem todos os condicionalismos e restrições que embaracem o desenvolvimento, substituindo-os por adequados estímulos que alarguem as possibilidades de iniciativa económica dos cidadãos, no âmbito dos objectivos colectivamente definidos.

 

3.3 A par disso deverseão abrir caminhos para a criação ide um novo contrato social radicado num mais apurado sentido comunitário da vida aportuguesa.

Defendemos uma compreensão social da vida económica que conduza à protecção dos pequenos comerciantes, industriais e agricultores, estimulando-se ao máximo o seu associativismo de base, a criação de cooperativas de produção e distribuição e o necessário apoio dos poderes públicos.

Defendemos um sentido comunitário que permita entender a vida económica, não como um fim em si, em torno do qual gire toda a sociedade, mas como um meio, ao serviço do homem, que permita o trabalho, a expansão da personalidade a solidariedade no progresso social e o acesso generalizado e individual à propriedade.

Defendemos uma política económica que não conduza à criação de um neocapitalismo materialista como substituto de um capitalismo liberal, que nem sequer chegou autenticamente a existir mo nosso País.

Defendemos uma política que em vez de conduzir à proletarização de todos os cidadãos, faça de cada trabalhador também um proprietário.

Lutaremos, em suma, por um salário mais justo e digno e por uma maior co-responsabilização participação e humanização na vida económica, social e cultural.

 

4 O C.D.S. representa, também, todos os portugueses que desejem construir, na dignidade, a paz dos territórios africanos, e, na cooperação, uma nova posição de Portugal no Mundo.

 

4.1 A construção da paz em África passa pelo reconhecimento prévio do princípio da autodeterminação, com todas as suas consequências.

Não podemos aceitar a solução da questão ultramarina por via militar, mas defendemos a possibilidade de utilizar fórmulas diferenciadas de território para território quanto ao exercício do princípio da autodeterminação.

As populações dos territórios de alémmar terão de decidir sobre o seu futuro, de forma independente. E, ao fazêlo, deverão poder contar com o apoio de Portugal no sentido de se evitar qualquer surto neo-colonialista, ou qualquer forma de genocídio, bem como no de garantir os direitos das minorias.

Defendemos, entretanto, a preservação dos laços culturais que a História forjou e a manutenção de relações económicas especiais, seja qual for o destino político que cada território escolher. Estaremos dispostos a participar, com lealdade e sem paternalismos, em tudo quanto favoreça a criação de um sólido bloco cultural de expressão lusíada e o fortalecimento de relações técnicas e científicas úteis ao desenvolvimento dos territórios africanos.

 

4.2 Pela sua posição na Europa, defendemos que Portugal se organize de forma acelerada com vista à integração no Mercado Comum.

Pela sua posição no Atlântico,  defendemos que Portugal funcione como placa giratória entre espaços geo-económicos e culturais diferenciados, como a Comunidade Económica Europeia, o Brasil, e os Estados africanos de raiz lusíada. Pela sua posição em relação à República Popular da China, sedimentada em Macau, defendemos o imediato estabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e aquela Nação.

Pretendemos para o nosso País a continuidade das velhas amizades, em especial com o Reino Unido, a França e os Estados Unidos da América, o restabelecimento de relações com os países árabes e o reforço das já existentes com a América Latina, de forma muito particular com o povo brasileiro.

Pretendemos, em geral, para o nosso País, o lançamento de novas bases de cooperação com todos os povos, na linha já encetada com os países do Leste Europeu.

5 O C.D.S. propõese representar todos os portugueses que desejam para Portugal um Governo democrático, responsável, dinâmico e eficiente;

Um Governo com o qual a maioria do País se sinta identificada;

Um Governo centrista com sentido do equilíbrio dinâmico independente do poder económico e das pressões estrangeiras;

Um Governo capaz de governar na ordem democrática;

Um Governo com estadistas, que, pela honestidade, capacidade e espírito de diálogo interprete autenticamente o mandato político que o voto popular lhe confira, sinceramente aberto ao controlo e fiscalização dos seus actos pelos restantes órgãos da soberania e pela opinião pública.

O C.D.S. representa os portugueses que desejam para Portugal um Governo apto para executar um programa e não apenas para o propor;

Um Governo que, na prática, saiba defender intransigentemente as liberdades cívicas, a liberdade religiosa, a igualdade social do homem e da mulher, os direitos das minorias;

Um Governo que saiba reconhecer, sem complexos de inferioridade, o atraso económico, cultural e social de Portugal, para agir com base na nossa situação concreta e não através da cópia superficial de figurinos estrangeiros, ou da irresponsável tentativa ele implantação de modelos sociais indefinidos e utópicos. Perante o País, o C.D.S. compromete-se, se lhe for dado mandato pelo Povo Português, a colaborar num Governo com as características indicadas, designadamente com personalidades válidas de outras filiações partidárias ou independentes, e a lutar, intransigentemente, pela execução de um programa que tenha como fundamento os princípios da presente Declaração.

Em Portugal, e nas presentes circunstâncias, históricas, o C.D.S. afirma a sua adesão ao carácter personalista do 25 de Abril, manifesta a sua lealdade aos órgãos responsáveis pela garantia do Programa do Movimento das Forças Armadas e confia na adesão de grandes parcelas do povo português, cujos desejos e aspirações, livremente expressos e conscientemente participados, se propõe exprimir, defender e construir.

O Partido do Centro Democrático Social espera sinceramente – ao centro, na democracia e pela justiça social – demonstrar aos portugueses e ao mundo que uma Revolução se pode fazer na paz.

 

Lisboa, 19 de Julho de 1974

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